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  • Foto do escritorFlaviana Tannus - 1968

Quem matou Ilka Maria?

Atualizado: 28 de set. de 2021

A atual rua Quebra Queixo, antes Bom Sucesso, recebeu este nome do povo do vilarejo formado ao redor do Engenho da Mata Redonda, após a inauguração do casarão que popularizou Milagres. São Miguel dos Milagres, antes freguesia Nossa Senhora Bom Sucesso foi rebatizada após a cura de um pescador. O lugar com praias paradisíacas e piscinas naturais é banhado pelo mar de aguas cristalinas cercado por corais.

Carlota Lyra Costa, depois de uma noite em que não pregou os olhos, por volta das dez horas da manhã de segunda-feira se arrumou com elegância e discrição: vestido tubo preto com gola canoa, colar e brincos de pérolas, meia fina preta e sapato salto sete. Cabelos em coque baixo com chapéu preto de abas longas. O óculos de sol escondia seus olhos maquiados. Os sessenta e quatro anos não lhe roubaram o porte esguio, os contornos do corpo e os delicados traços faciais, heranças de sua ascendência francesa. Carlota pediu a Josué e Tilo, motorista e copeiro que se aprontassem para acompanha-la. A dupla ficou parecendo personagens prontos para entrar em cena. Josué parou em frente ao alto muro de pedras. Tilo desceu e abriu a porta. Carlota curvou-se, de lado tirou os pés e saiu como uma diva no tapete vermelho do Dolby Theater de Hollywood. O povo do vilarejo curioso e amontoado em frente a casa, abriu um corredor para a entrada dela na mansão.


Filho único de dona Dodô, Neco cresceu solto pelas ruas de Milagres embalando a preguiça e a juventude no gingado do mar. Corpo sarado, cabelos lisos e alongados até o ombro, beleza natural na pele morena com olhos esverdeados. Com borogodó, carismático e pinta de malandro, conquistou a confiança e o voto do pequeno povoado nas rebarbas da mãe e da mulher. Dona Dodô vidente de mão cheia, foi sustentada por três políticos da região que esperavam pelas respostas das cartas. Carlota, a elegante mulher vestiu a nudez do jangadeiro de prefeito, ofício que durou quase quatro décadas.

A filha mais velha do usineiro do Engenho da Mata Redonda, morava com a família em Recife, mas desde a infância passava as férias em Milagres. A praia, a jangada, mas principalmente a conversa ao pé do ouvido, sempre mudavam a rota de suas férias. Sua personalidade competitiva foi engolida pelos encantos de Neco, que a colocava em uma jangada, empanava e embalava seus jovens corpos nus com areia, sal do mar e sexo do bom.


A mansão por trás do muro de pedras era requintada para uma baiuca de vilarejo pobre. Muito melhor do que Carlota imaginava. Miguel Cortês, arquiteto com assinatura de mansões para a família Pereira Lyra, assinou a obra. O palacete tinha pé direito alto, de concreto aparente, acabamentos em madeira e vidro, no salão principal com vista para o mar, um imenso painel de cerâmica Brennand. Na área externa, além do restaurante e das três piscinas com cascatas, o jardim com assinatura do paisagista Augusto Rodrigues abrigava um heliporto e uma pista de aviação. Como hotel de luxo. Naquela manhã ensolarada, os portões foram abertos para o velório do corpo de Ilka Maria. A mansão estava abarrotada de gente. Era a oportunidade para conhecer o lugar mais falado do nordeste, cenário de escandalosas festas com celebridades nacionais e internacionais, coronéis, e políticos.


Ao chegar na mansão, as pessoas abriram passagem para imponência de Carlota, que com elegância e cerimônia, cumprimentava um a um por onde passava, como num comício. A curiosidade do povo se dividiu entre duas situações: saber quem matou Ilka Maria, encontrada morta após a festança de sábado e o que a elegante mulher do prefeito foi fazer no velório de uma cortesã.

Giudete da Silva se batizou como Ilka Maria, após assistir um programa de televisão com Elke Maravilha. Gostava da extravagância e da espontaneidade da apresentadora. Tinha tino para negócio e nenhum vintém. Vivia com a liberdade de ser a última filha de doze irmãos. Nas férias, quando gringos vindos de vários lugares, aportavam na praia, saia oferecendo passeio de jangada e contava histórias inventadas das batalhas entre holandeses e espanhóis pelas terras do Engenho da Mata Redonda. Incluía nas peripécias sangrentas façanhas das concubinas com coronéis, que acendiam o interesse dos chatos relatos por disputa de território. Aos poucos ficou famosa pelas suas histórias e pelo gingado que deu ao cordel Bomba no Cabaré:

jogaram uma bomba no cabaré,

voou pra todo canto pedaço de muié

Nos intervalos entre as férias, Neco e Giudete se enamoravam e se entregavam a liberdade e a libertinagem dos amantes. Com o passar das folhas do calendário, foram tragados pelo tempo, e sem fazer muita conta, Neco esperava Carlota no altar na Catedral da Sé em Recife.

Naquela manhã, antes de ir para a mansão na rua Quebra Queixo, Carlota mandou o capanga da fazenda acompanhar Neco na viagem para Brasília com o avião particular da família. Não podia ter viúvo no enredo, e sim um tapete estendido a candidatura para concorrer a prefeitura do vilarejo. Era a oportunidade que ela tinha de sair como protagonista em uma história que sempre teve papel de coadjuvante.

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