Casa de Adobe
Atualizado: 28 de set. de 2021
Descalça desceu as escadas. Com bastão na mão direita, rabiscou o chão de um lado a outro sinalizou o rumo do próximo passo. A mão esquerda tateou paredes e móveis. Conhecia o lugar. Com as pontas dos dedos dos pés avançou três degraus até o primeiro piso e mais dois lances chegou a sala de convivência. Enquanto descia o vento sacolejava a ramagem das árvores desarrumando a constante e ritmada cantoria dos pássaros. Sem pouso os timbres alvoroçados amalgamavam-se aos ruídos da cozinha com as águas libertando o sabão das louças. Desceu mais dois degraus e aportou na varanda. A brisa gélida decantou o odor de mofo. Com o corpo arrepiado e os cabelos despenteados escorou o bastão no pilar. Com os pés assumiu o comando na exploração do terreno de barro até pousa-los num manto de orvalho. Deitou-se.

Na casa de adobe além das paredes, o piso do interior de barro cozido deveria avançar até o largo terraço com vista para gramado e montanhas. Embora o sofisticado desenho arquitetônico com três lances de piso de dois ou três degraus de diferença separando os ambientes, Teco não cedeu ao desejo de uma casa sustentável com elementos e iluminação naturais. Clara tinha doze anos quando o avô a levava aos finais de semana para acompanhar os avanços da obra. Enquanto a menina esquadrinhava a geografia da casa com mãos e pés, o avô lhe ensinava sobre medidas. Sua pequena mão fechada no sentido horizontal era a medida de uma fiada de tijolo. Com a palma da mão aberta três fiadas. Seguiu até que suas mãos não alcançavam mais a altura da parede. Teco observava a exploração da neta enquanto seu corpo de menina transformou-se em ferramenta de medida. Ele lhe dizia que todas as coisas do mundo são feitas de pontos e linhas e que as cores são o recheio das formas. O vermelho lhe foi apresentado quando suas pequeninas mãos amassavam a terra úmida.
Há seis anos Clara não retornava a casa da fazenda. Deitada no gramado com os galhos brincando de esconde-esconde com o sol a pino, sentia o verde invadindo seu corpo ao som de Cello Suite No.1.